Uma paciente
me procurou há 10 dias para consultar. Grávida de 37 semanas
me procurou porque sua médica estava de férias e a substituta
que ela havia indicado não lhe agradou. Quando ela entrou no
consultório eu me assustei com a barriga. Era realmente muito
grande, mas ela é uma mulher corpulenta, 1,68 m, e gordinha.
Veio com uma pilha de ecografias (é obvio) sendo que a última
prenunciava um feto de +/- 4.500g. Diante disso, tanto a sua médica
como a substituta foram taxativas: "é cesariana, porque
não vai passar." Para complicar essa paciente tinha uma
cesariana prévia, com um bebê de 36 semanas (8 meses) por
DHEG (pré-eclampsia) e 4.300g.
Tinha uma leve alteração da glicemia no último
exame realizado há 1 semana. Macrossomia, cesaria prévia,
diabete gestacional leve. Precisa mais? Ela me disse que queria deixar
matcada a cirurgia, "já que precisava ser cesariana"...
Foi então que eu perguntei a ela: - O que vc gostaria que fosse?
Ela me respondeu: - Ora doutor, eu preferiria parto normal, que a gente
pode ir pra casa mais rápido.
Então eu lhe disse: - O destino do seu parto só depende
de vc. Se vc quiser ter seu filho de parto normal esse é um direito
seu, que ninguém pode te retirar. O que conta nessas situações
é o desejo, a vontade, a confiança que vc deposita em
vc mesma.
Ela sorriu e disse: - Mas doutor... eu quero ter meu filho de parto
normal. Mas meus médicos disseram que era impossível por
causa da cesariana anterior, da diabete, do tamanho do bebê, e...
- Isso é secundário. Nada nem ninguém é
mais forte que a tua força de vontade e o teu desejo.
Ela sorriu, e combinou de voltar com o marido.
Ela consultou comigo ontem a tarde. Ao exame de toque ela tinha um bebê
muito alto na pelve e uma dilatação de uma polpa. Tinha
contrações esporádicas e fracas.Pedi que ela me
ligasse se as contrações viesse a ocorrer. Esta manhã
ela me ligou dizendo que estava com contrações mais fortes
e pedi-lhe que retornasse ao meu consultório para uma nova avaliação.
Ali já havia se instalado o trabalho de parto, e ela tinha 3-4
dedos de dilatação, mas o bebê continuava alto.
Pensei comigo "será que desce? será que não
está apenas dilatando pra depois trancar no estreito médio?".
Estes meus pensamentos se exteriorizavam com um sorriso benevolente.
Puro cinismo, eu confesso. Mas era para uma causa nobre: insuflar confiança
nas suas capacidades. Apostar na sua força e competência
para ter seu filho.
Algumas horas mais tarde ela me ligou (na verdade o marido, dizendo
que a mulher estava "quase desmaiando"...) e eu solicitei
que fosse ao hospital. Ela mora em uma cidade vizinha, portanto nem
se cogitou em fazer um parto domiciliar (além do tamanho presumido
e da cesariana prévia). Lá chegando, às 14 h, estava
com 6 cm e uma apresentação ainda muito alta.
- Vamos caminhar mulher, disse eu com uma risada... precisamos fazer
este bebê descer. Nada como um bom passeio.
A Zeza (minha mulher e enfermeira obstetra) me acompanhava no hospital,
e lá se foi ela caminhando com a paciente pelos corredores.
Ok, vou
encurtar a história. Às 16 horas estava com 8 cm, às
18 h com 9. Completou a dilatação às 20:30, mas
sempre com uma apresentação alta.
Foi quando ela me chamou no quarto e disse:
- Eu devia ter escolhido aquela outra médica. Ela já teria
me livrado desse suplício. Porque esperar tanto? O senho não
me diz a que horas vai nascer... Porque isso tudo? Porque não
inventaram uma coisa mais humana para se ter filhos?
Depois de respirar fundo e ficar em silêncio resolvi fazer um
novo toque. Dilatação completa, bolsa íntegra,
plano + 1 de De Lee. Ainda estava alto, mas já havia descido.
Foi então
que eu dei minha cartada final.
- Ok minha flor. Vc é que sabe. Se vc diz que não pode
aguentar mais eu acredito no que tu dizes. Se vc quer terminar esse
"suplício" como vc diz, então vamos lá.
(ela não tinha muita dor. Conheço cara de mulher com muita
dor. Ela tinha medo, angústia, apreensão. E cansaço)
Então vamos te operar. É só chamar o anestesista
e o auxiliar. Mas tem uma condição: Eu só farei
essa cirurgia se vc olhar no fundo dos meus olhos e disser pra mim que
não aguenta mais, que está no seu limite, que não
pode mais esperar, e que vai querer uma cesariana com a dilatação
completa. Essa decisão vai ser sua, e seja qual for eu vou obedecer.
Se eu fizer esta cesariana será uma das mais absurdas da minha
vida, mas eu acreditarei em vc e obedecerei a sua decisão. (peguei
pesado, fui firme... será?)
Ela me olhou
com olhos de súplica. Tentou balbuciar algo tipo "mas quanto
tempo ain..", mas eu lhe cortei: - O tempo vai depender de vc.
Pode ser alguns minutos e pode ser algumas horas ainda. Nada posso te
prometer, a não ser ficar do teu lado aguardando e avaliando
a ti e ao teu bebê.
Ela baixou o olhar. Olhou de novo para mim e disse:
- O que eu preciso fazer, Dr?
Ufaaaa... por uns instantes temi por ela. mas ela foi forte...
Aí entrou a magia das mulheres... Eu lhe disse: - Vc está
com a dilatação completa. Está sem nada na frente
do seu bebê. Pode fazer força se quiser. Pegue na mão
da Zeza e saia caminhando com ela até o chuveiro. Fiquem lá
vcs duas, fazendo força, de cócoras, e conversando, ok?
Ela concordou e lá foram as duas.
Saí da sala e anotei num papel o nome e telefone do anestesista
e da minha auxiliar. Pensei comigo: não vou usar estes números,
ela vai conseguir...
Passaram-se uns 20 minutos e entra a Zeza na sala esfregando as mãos.
Olhei pra ela sem entender...
- Coroou, disse ela. Tá ali !!!
Não acreditei... estava muito alto ainda. Tão rápido
assim?
Fui até o chuveiro e entrei quase debaixo da água... Lá
estava ele !! Estava saindo mesmo !!
Logo foi para a mesa da JICA (para parto de cócoras).
Mais alguns minutos e lá vinha vindo ele. Devagarinho.. Me assustei
com o tamanho da cabeça. Era muito grande. Mas o desprendimento
era suave, tranquilo.
O perínbeo suportou muito bem.. Vinha vindo, vinha vindo...
Ela olhos pra mim e eu disse. - Sei que estás com uma contrção...
Deixa ele nascer. Não tenha medo. Vc vai conseguir.
Uma última força e a cabeça nasceu. Grande, redonda,
sem nenhuma bossa. Tive que fazer uma bela força (estou ficando
um alterofilista por causa dos últimos partos) para nascer o
"resto" do bebê. Quando ele nasceu eu não acreditei...
Era enorme !!! Um gigante. Muito maior que a previsão...
Chorou logo depois. Era vermelho e redondo. Eu brinquei com ela: - Parece
um chinês !!!
A pediatra não estava na sala porque havia sido chamada minutos
antes para uma emergência, mas a auxiliar da pediatria ficou por
perto para qualquer imprevisto. Nada aconteceu, apenas risos e alegria.
O mais surpreendente aconteceu depois... O bebê pesou nada menos
do que 5.355g. Um trabalho de parto rápido e sem NENHUMA laceração
perineal. Eu falei para as enfermeiras presentes que contando ninguém
acreditaria. Essa paciente deveria estar numa sala de recuperação
pos-anestésica, cheia de soros e medicamentos, dopada e sonolenta,
e no entanto estava amamentando seu bebê gorducho, sem nenhum
ponto, sem nenhuma droga e sem nenhum problema. Apenas alegria.
A equipe de enfermagem foi 10... o tempo inteiro iam lá trazer
uma palavra de encorajamento.
A presença da Zeza foi FUNDAMENTAL. Sem ela eu não conseguiria
MESMO.
E ficou para mim uma lição: ACREDITE SEMPRE. Acredite,
porque as mulheres merecem este crédito.
Vcs todas mulheres estão de parabéns. Uma vitória
dessas é uma vitória de cada uma das mulheres do mundo.
Uma vitória contra o descrédito e a desconfiança.
Contra o preconceito e o sexismo.
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Dr.
Ricardo Herbert Jones
Médico
Homeopata, Ginecologista e Obstetra, Porto Alegre, RS
rhjones@ieg.com.br
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